
Por Eurico Marcos Diniz de Santi, Nelson Machado e Taina Fernandes de Carvalho Lemos
O regime tributário do Simples Nacional, estabelecido como um facilitador para micro e pequenas empresas (MPEs) no Brasil, passa por transformações significativas em decorrência da recente reforma tributária, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 132 e na Lei Complementar nº 214. Este artigo tem como objetivo realizar uma análise aprofundada dessas alterações, com foco especial no impacto da reforma sobre o Simples Nacional e na introdução do modelo de extinção de débitos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) através do mecanismo do split payment.
1. Modelo de Apuração do Simples Nacional: A Base da Tributação
O Simples Nacional opera sob um sistema de tributação progressiva, estruturado em seis faixas de receita bruta acumulada nos últimos 12 meses.
Essas faixas são idênticas para todos os cinco anexos existentes, cada um abrangendo diferentes atividades empresariais e um conjunto específico de tributos unificados. O enquadramento nos anexos é determinado pela natureza da atividade, conforme Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional. Os anexos englobam tributos como IRPJ, CSLL, COFINS, PIS, CPP, ICMS (para comercialização e industrialização), IPI (apenas para industrialização), ISS (para serviços) e, com a reforma, futuramente IBS e CBS.
A alíquota efetiva a ser aplicada para fins de tributação no Simples Nacional não é a alíquota nominal constante nas tabelas, mas sim o resultado da aplicação de uma fórmula específica. Essa fórmula é: (RBT12 x Aliq) – PD / RBT12, onde “RBT12” representa a Receita Bruta Acumulada nos 12 meses anteriores ao mês de apuração, “Aliq” é a Alíquota Nominal correspondente ao anexo e à faixa de enquadramento, e “PD” é a Parcela Dedutível também estabelecida para o anexo e a faixa. O tributo devido é então calculado aplicando-se essa alíquota efetiva sobre a receita bruta do mês de apuração, sendo posteriormente repartido entre os diversos tributos incluídos na arrecadação unificada, na proporção definida para cada anexo e faixa.
Com as alterações promovidas pela LC 214/2025, a partir de 2027, a RBT12 sofrerá alteração, e passará a ser o resultado da receita bruta acumulada nos doze meses antecedentes ao mês anterior ao do período de apuração. É uma alteração importante, que viabiliza o conhecimento da alíquota efetiva de IBS e CBS nas operações praticadas pelos optantes do Simples Nacional, sujeitos à apuração pelo regime unificado.
2. Manutenção das Regras Gerais e o Resumo das Alterações Essenciais
A reforma tributária, apesar de introduzir mudanças significativas no sistema tributário como um todo, buscou manter as regras gerais e as condições do Simples Nacional. Permanece a carga tributária do Simples Nacional, sem alterações nas alíquotas nominais e parcelas dedutíveis. A vedação da apropriação de créditos nas aquisições também é mantida. Os limites de receita bruta para enquadramento no Simples (R$ 4.800.000,00) e o sublimite para ICMS/ISS e IBS (R$ 3.600.000,00) também não foram alterados. O IPI, presente apenas no Anexo II, não foi substituído pelo IBS, tendo sua incidência limitada para operações relativas a produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus.
As principais alterações no Simples Nacional em decorrência da reforma tributária concentram-se na substituição dos tributos incidentes sobre o consumo. O PIS/COFINS será substituído pela CBS, e o ICMS/ISS será substituído pelo IBS. Essa modificação será refletida nas tabelas de repartição da arrecadação entre os tributos. É importante ressaltar que, para o contribuinte do Simples Nacional, a forma de cálculo da alíquota efetiva e o valor final do tributo a pagar permanecem os mesmos.
3. Novos Anexos e o Período de Transição
Embora a estrutura com seis faixas e cinco anexos seja mantida, as tabelas de repartição dos tributos dentro de cada anexo sofrerão alterações ao longo do período de transição.
Tomando como exemplo o Anexo I (Comercialização), observa-se que as alíquotas e as parcelas dedutíveis permanecem inalteradas tanto na tabela válida até 2026 quanto na tabela que vigorará a partir de 2033. A grande mudança é na parte inferior da tabela, onde os percentuais de repartição dos tributos são ajustados para substituir o ICMS pelo IBS e o PIS/Pasep e a Cofins pela CBS. A mesma lógica se aplica ao Anexo III (Demais Prestações de Serviço), onde o ISS será substituído pelo IBS na tabela a partir de 2033.
Haverá um período de transição para a implementação da CBS e do IBS. A CBS começará a ser aplicada em 2027 com uma alíquota de teste, atingindo a alíquota cheia em 2029. O IBS também terá uma alíquota de teste nos dois primeiros anos, com a substituição integral do ICMS/ISS ocorrendo gradualmente até 2033. No Simples Nacional, durante essa transição, as tabelas de repartição mostrarão parcelas de ICMS e IBS, bem como as alíquotas de teste da CBS e do IBS, para fins de distribuição aos entes federativos, sem alterar o cálculo da alíquota efetiva para o contribuinte.
4. A Opção pelo Regime Regular de IBS/CBS: Uma Nova Perspectiva para o Simples Nacional
Uma das novidades mais relevantes da reforma para o Simples Nacional é a possibilidade de o optante escolher o regime regular de apuração da CBS e do IBS. Ao fazer essa opção, a empresa do Simples Nacional poderá aproveitar créditos de IBS e CBS nas suas aquisições de bens e serviços e, consequentemente, gerar créditos para seus adquirentes que estejam no regime regular. Contudo, essa opção não implica a saída do Simples Nacional para os demais tributos, como IRPJ, CSLL e CPP, que continuarão sendo recolhidos pela sistemática simplificada.
A decisão de optar pelo regime regular de IBS/CBS dentro do Simples Nacional requer uma análise cuidadosa de diversos fatores. A posição do contribuinte na cadeia de negócios (início, meio ou fim) e os aspectos concorrenciais são cruciais. Se os concorrentes no regime regular oferecem crédito de IBS/CBS, o optante pelo Simples que não o fizer poderá perder competitividade. A margem de lucro também é um fator determinante. Empresas com margens elevadas e poucos insumos podem se beneficiar da alíquota favorecida do Simples, enquanto aquelas com margens apertadas e grande volume de insumos podem encontrar vantagem na apropriação de créditos do regime regular. A alíquota efetiva no Simples e as possíveis alíquotas reduzidas no regime regular para determinados setores também devem ser consideradas.
O modelo do Simples Nacional tradicionalmente acarreta cumulatividade dos tributos sobre o consumo, uma vez que não permite o aproveitamento de créditos. Essa cumulatividade é compensada, em certa medida, pela aplicação de alíquotas favorecidas. A opção pelo regime regular de IBS/CBS permite eliminar essa cumulatividade em relação a esses dois tributos, o que pode resultar em uma menor carga tributária para empresas com grande volume de compras tributadas. Contudo, é essencial que cada empresa realize uma análise detalhada para verificar se essa opção é economicamente vantajosa.
5. O Modelo de Extinção de Débitos e o Split Payment: Uma Nova Dinâmica de Recolhimento
A reforma tributária introduz novas modalidades de extinção dos débitos de IBS e CBS, incluindo a compensação com créditos apropriados, o pagamento pelo contribuinte e o recolhimento na liquidação financeira da operação (split payment). O split payment consiste no recolhimento do IBS e da CBS no momento da liquidação financeira da venda, onde a plataforma que intermedia a transação direciona o valor correspondente aos tributos diretamente para os cofres públicos.
No contexto do Simples Nacional, embora a regra geral seja de não tomada e não repasse de créditos, a possibilidade de optar pelo regime regular de IBS/CBS abre caminho para a utilização do split payment. Mesmo para as empresas do Simples que não optarem pelo regime regular, existe a possibilidade futura (ainda sem regulamentação específica) de destacar o IBS e a CBS na nota fiscal e ter esses tributos recolhidos através do split payment. Nesse cenário, haveria uma troca de informações entre o Comitê Gestor do Simples e o Comitê Gestor e do IBS e da Receita Federal para o encontro de contas e eventual ressarcimento.
O split payment pode ocorrer de diferentes formas: um modelo padrão, onde o valor exato do IBS e da CBS devido é separado e recolhido no momento do pagamento, e um modelo simplificado, que utiliza uma alíquota estimada pela administração tributária e faz um encontro de contas no final do período de apuração. Esta possibilidade é opcional e aplicável apenas nas operações com adquirentes não contribuintes. A LC 214 estabelece que Comitê Gestor do IBS e a RFB poderão, por ato conjunto, determinar: 1) a implementação gradual do split payment; 2) prever hipóteses em que sua adoção será facultativa; 3) autorização do procedimento simplificado para as operações (cujo adquirente não seja contribuinte), enquanto o procedimento padrão não estiver em funcionamento em nível adequado para os principais instrumentos de pagamento eletrônico utilizados nessas operações.
Considerações Finais
A reforma tributária promove alterações significativas no Simples Nacional, principalmente no que tange à substituição dos tributos sobre o consumo e à introdução da opção pelo regime regular de IBS/CBS. Essa nova possibilidade oferece às MPEs a oportunidade de mitigar a cumulatividade e potencialmente aumentar sua competitividade, especialmente em suas relações com empresas do regime regular.
O modelo do split payment emerge como um mecanismo fundamental para o recolhimento do IBS e da CBS, trazendo uma nova dinâmica para a extinção dos débitos tributários. A decisão de como operar nesse novo cenário demandará uma análise estratégica por parte das empresas do Simples Nacional, considerando suas particularidades, sua posição na cadeia produtiva e o ambiente concorrencial. A regulamentação detalhada desses novos mecanismos será crucial para a plena compreensão e efetiva implementação das mudanças.
Eurico Marcos Diniz de Santi, diretor-fundador do CCiF, é professor da FGV Direito SP, onde é coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF).
Nelson Machado, diretor-fundador do CCiF, é consultor e professor na Escola de Economia da FGV. Foi secretário executivo dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda.
Taina Fernandes de Carvalho Lemos, advogada cursa mestrado em Direito Político e Econômico no Mackenzie, pesquisadora do CCiF e do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF).
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.