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Reforma tributária: o novo ‘Êxodo’ para São Paulo ou apenas a especulação?

Vista dos Prédios em São Paulo – Foto: Marcos Santos via USP Imagens

Por Danilo Leal

No final de 2024, tive a oportunidade de palestrar em um evento promovido pela DHL com o tema “Delivering Healthcare to Brazil – Perspectiva para Santa Catarina diante de um cenário fiscal em plena transformação”. Como o próprio título sugere, boa parte das discussões do evento girou em torno da reforma tributária e da extinção de benefícios fiscais – temas que já fizeram muitos tributaristas perderem noites de sono e que, convenhamos, inundaram o noticiário nos últimos meses.

No entanto, o evento trouxe à tona algumas questões que podem estar passando despercebidas tanto pelos tributaristas quanto pela administração das próprias empresas.

Existe um senso comum – ou pelo menos uma crença amplamente difundida – de que, com o fim dos benefícios fiscais, haverá uma debandada – e por que não dizer êxodo – de empresas localizadas em Estados com grande histórico de concessão de incentivos, como Minas Gerais, Santa Catarina e Goiás, para citar alguns exemplos, rumo ao Estado de São Paulo, o maior mercado consumidor do país. 

A lógica por trás desse movimento seria reduzir custos logísticos e lead time no fornecimento de mercadorias. Já ouvi essa previsão inúmeras vezes da boca de executivos dos mais variados setores em um tom tão apocalíptico que me fez até lembrar do filme Interestelar, lançado em 2014 por Christopher Nolan, no qual o planeta Terra é retratado como um lugar desolado e árido, que forçou o que restou da civilização humana a buscar um novo lar em outro planeta. 

Será que estamos diante de um cenário tão apocalíptico que teremos essa corrida desenfreada de Estados com incentivos fiscais para São Paulo tal qual a fuga do filme? Ou estamos apenas diante de um alarme falso? No mínimo, essa é uma questão que merece uma reflexão.

Se sairmos do campo das suposições e analisarmos o tema com dados para além dos incentivos fiscais, vamos nos deparar com uma realidade um tanto quanto diferente. Isso porque, no debate sobre o futuro da localização das empresas, raramente consideramos um fator crítico: a infraestrutura do Estado de São Paulo, em especial a situação de galpões, portos e aeroportos. 

É fato que o Estado possui a melhor estrutura logística do país. Isso não está aqui em discussão. E a proximidade com o maior mercado consumidor do Brasil, em teoria, reduz custos de distribuição. Mas será que essa infraestrutura tem fôlego para suportar um grande movimento de empresas voltando para São Paulo sem novos investimentos? Vamos aos números.

Centros de Distribuição: cada metro quadrado conta

São Paulo abriga hoje os maiores polos logísticos do Brasil, com destaque para Campinas, Louveira, Embu das Artes, Cajamar e Itupeva apenas para citar alguns. No entanto, apesar de sua grande capacidade e conectividade com rodovias, a vacância de galpões atingiu, em 2024, seu menor índice da série histórica da consultoria internacional Colliers: apenas 9,6%.

Com estudo semelhante, a JLL, outra gigante do setor imobiliário, apontou um cenário ainda mais intrigante: a vacância caiu 1,5% em relação a 2023, chegando a 8,4%. O reflexo disso: um aumento médio de 15% no preço do aluguel por metro quadrado, que hoje gira em torno de R$ 31 em São Paulo. Não preciso ser um economista para afirmar que se as empresas começarem a retornar ao Estado sem uma expansão significativa dessa infraestrutura, os custos logísticos podem disparar ainda mais.

Porto de Santos: um navio na fila

Situação semelhante ocorre com o Porto de Santos, principal porta de entrada do comercio internacional no país que já opera em seu limite. Atualmente, sua utilização está em 90% da capacidade instalada, com previsão de atingir 100% em 2028. Isso resulta em um tempo médio de espera para atracação de 90 horas – ou seja, quatro dias para que um navio consiga atracar no porto paulista. Para comparação, os portos catarinenses de Itapoá e Itajaí registraram tempos médios de 15 e 22 horas, respectivamente, no mesmo período.

Talvez não seja de conhecimento comum, mas um terminal de contêineres opera de forma eficiente quando se vale de até cerca de 75% de sua capacidade ocupada. Acima desse patamar, a operação começa a perder eficiência – um ponto, inclusive, reforçado pelo próprio diretor-geral da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), Eduardo Nery, em entrevista recente à CNN Brasil.

Em 2024, o porto encerrou o ano com um recorde na movimentação de cargas, atingindo 179,8 milhões de toneladas no acumulado de janeiro a dezembro, representando um aumento de 3,8% em relação ao mesmo período de 2023, de acordo com informações da autoridade portuária. Imagine como será para além de 2032.

Ainda que existam planos para um novo terminal, fato é que não há nada de concreto no horizonte. Ou seja, qualquer expansão significativa do Porto de Santos pode levar anos.

Aeroporto Internacional de Guarulhos: pausa para respirar

Melhor situação não enfrenta o aeroporto internacional de Guarulhos, que hoje é o principal terminal logístico para cargas internacionais, com 56% do mercado aéreo em 2024, com área de aproximadamente 190 mil m² alfandegados, segundo informações da GRU Airport.

Apesar de sua alta capacidade, vem sistematicamente sofrendo do mal da superlotação de cargas. A situação é tão crítica que, em novembro de 2024, em matéria noticiada pela CNN Brasil, a administração do aeroporto suspendeu temporariamente o recebimento de cargas por dias, com exceção apenas às cargas de produtos perecíveis, fármacos e animais vivos. A decisão gerou inclusive uma série de medidas judiciais contra a gestão do terminal.

Dada a situação enfrentada, em outubro de 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou uma solução consensual para a revisão do contrato de concessão. O acordo aprovado estende o prazo de concessão do aeroporto de Guarulhos até novembro de 2033 e estabelece investimentos da ordem de R$ 1,4 bilhão para o local, dos quais cerca de R$ 330 milhões devem ser investidos na ampliação do terminal internacional nos próximos dois anos.

Ainda que seja uma ótima notícia, com o aumento da demanda atual e de eventuais novas empresas no Estados, essa expansão pode já nascer saturada…

O fator custo e o futuro das empresas

Além dos desafios acima, há outros tantos problemas e fatores que devem pesar na decisão das empresas, como o custo da mão de obra em São Paulo, o fluxo intenso nas rodovias e os preços elevados de terrenos, os quais muito provavelmente vão pressionar o preço para instalação de empresas no Estado.

Diante desse cenário, a ideia de uma corrida desenfreada para São Paulo perde força. Certamente, algumas empresas decidirão se mudar. Mas muitas outras levarão em conta essas variáveis e optarão por permanecer onde estão instaladas atualmente ou, ainda, quem sabe, explorar alternativas em outros Estados. No fim das contas, tudo se resume a uma equação de custos, despesas e um toque de futurologia.

E é exatamente por isso que os Estados que souberem fazer o dever de casa – investindo em infraestrutura, segurança, mão de obra qualificada e serviços públicos – terão uma grande oportunidade de atrair empresas e impulsionar suas economias.

Eu me questiono se São Paulo poderá frustrar as empresas que tentem aqui se instalar em razão de suas limitações. No filme Interestelar, o tal planeta da fuga era supostamente habitável, porém, se mostrou hostil e inadequado para a vida. Será que o Estado será assim visto pelas empresas?

A pergunta que fica no ar é: quais Estados poderiam se beneficiar dessas limitações nos próximos anos? Algum palpite? Do meu lado, já sei que esse será o tema do nosso próximo artigo. 


Danilo Leal é sócio-conselheiro da /asbz. Atua na área tributária. Tem pós-graduação em direito tributário pelo IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário) e graduação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).


Os artigos escritos pelos colunistas não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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