
Por Marcos Engel e Mateus Gripp
Longe dos grandes palcos, os impactos da reforma tributária sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano (“IPTU”) começam a ser sentidos por alguns contribuintes. A Emenda Constitucional n. 132, de 20.12.2023 (“EC n. 132/23”), acrescentou o inciso III ao art. 156, parágrafo 1º, da Constituição Federal (“CF/88”), permitindo que o Poder Executivo municipal “atualize” a base de cálculo do IPTU por decreto, conforme critérios estabelecidos em lei.
Com essa mudança, alguns Municípios aumentaram a base de cálculo do IPTU por decreto, em percentuais superiores à inflação. Isso, sob a premissa de que o termo “atualizar” empregado pelo constituinte derivado teria significado similar ou idêntico a “majorar” e distinto da ideia de “corrigir monetariamente”, ou de refletir sobre a base do imposto o fenômeno inflacionário.
É essa majoração que agora tem movimentado o Judiciário. Vale lembrar que as controvérsias a respeito da possibilidade de alteração da base do IPTU, diretamente pelo Executivo, são de longa data. Foram alvo da publicação da Súmula n. 160 do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), que remonta ao ano de 1996 e cujo enunciado prescreve ser “(…) defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”, e culminaram no julgamento do Tema de Repercussão Geral n. 2113, do Supremo Tribunal Federal (“STF”), no ano de 2013.
Na ocasião, o Plenário do Supremo fixou a seguinte tese: “A majoração do valor venal dos imóveis para efeito da cobrança de IPTU não prescinde da edição de lei em sentido formal, exigência que somente se pode afastar quando a atualização não excede os índices inflacionários anuais de correção monetária.”
Note-se que a jurisprudência sumular e repetitiva dos Tribunais Superiores veda há muito a possibilidade de que os Executivos municipais atualizem a base do imposto, por ato infralegal, em patamares superiores à inflação. E assim o faz, pelo menos, desde a década de 1990.
Diante desse cenário jurisprudencial, não se pode negar que a escolha do vocábulo “atualizar” (“atualizada”) pelo constituinte, quando da promulgação da EC n. 132/23, causa certa estranheza aos operadores do direito tributário.
De um lado, pode-se argumentar que o emprego do termo não pode significar mera autorização aos Municípios para corrigirem a base do IPTU pela inflação, porque isso sempre lhes foi permitido. Afinal, se os Tribunais vedam a majoração da base do imposto via decreto em índice superior à inflação, é porque a autorizam até esse limite. Nessa linha, argumentar que a EC n. 132/23 somente autorizaria ao Executivo “atualizar” a base do IPTU (no sentido de refletir o fenômeno inflacionário) significaria dizer que o constituinte não teria propriamente inovado na ordem jurídica.
Por outro lado, há sólidos argumentos para se afirmar que, numa interpretação sistemática e/ou literal do novo inciso III do parágrafo 1º do art. 156 da CF/88, o que pretendeu fazer o constituinte foi positivar, no próprio texto constitucional, a jurisprudência já sedimentada nos Tribunais.
Anote-se que a CF/88 se vale da palavra “atualizar” quase três dezenas de vezes (ainda que por meio de palavras derivadas e sob classes gramaticais diferentes) e em todas elas parece referir-se à atividade de fazer refletir sobre determinado valor o fenômeno inflacionário da moeda. Sendo assim, a escolha do constituinte pelo termo “atualizar”, na EC n. 132/2023, não poderia ser menosprezada; e o imposto ainda demandaria lei em sentido estrito para ter a sua base de cálculo majorada, sob pena de desrespeito à legalidade tributária.
Destaca-se que a reação de contribuintes contra a majoração da base do tributo por decretos resultou até mesmo na Suspensão de Segurança n. 2084819-59.2025.8.26.0000, movida pelo Município de Bragança Paulista contra decisão da 2ª Vara Cível local, em trâmite perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”). O processo tem origem do Mandado de Segurança Coletivo n. 1002243-20.2025.8.26.0099, impetrado por associação de moradores daquele Município, para combater a majoração da base de cálculo do IPTU bragantino por meio de decreto fundamentado na EC n. 132/23. Vale o adendo: naqueles autos, há relatos de aumento do imposto que superam até mesmo o patamar de 1.000% (mil por cento), de um exercício para o outro.
Distribuído o writ, seu pedido liminar foi deferido justamente sob a premissa de que o art. 156, parágrafo 1ª, inciso III, da CF/88, tão somente autorizaria o Executivo a atualizar a base do imposto, nas balizas da correção monetária, mas não majorá-la sem lei em sentido estrito.
Aquela liminar resultou, então, na célere distribuição da referida suspensão de segurança, já desprovida monocraticamente pelo Des. Presidente do TJSP Fernando Antonio Torres Garcia, sob o argumento de que o Município não teria logrado êxito em demonstrar a grave lesão à ordem, segurança ou à economia públicas necessária à concessão da ordem.
Como é natural do sistema recursal brasileiro, é improvável que a controvérsia daqueles autos se encerre por aí. E são grandes as chances de que a discussão se multiplique ao longo do território nacional, composto por mais de 5.000 (cinco mil) municípios, todos ávidos por arrecadação que faça frente aos seus deveres constitucionais.
Àqueles que ainda não foram atingidos pela cobrança majorada do IPTU, resta acompanhar com atenção os novos debates, bem como lamentar a dubiedade da redação constitucional, que terminou por “delegar” ao Judiciário a tarefa de precisar o significado do termo escolhido pela EC n. 132/23.
Marcos Engel é sócio do Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados.
Mateus Gripp é advogado Tributarista no Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados.
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