
Por Isaac C. Coelho
A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 sinalizou o início de uma transformação estrutural no sistema tributário brasileiro, com especial ênfase sobre a tributação do consumo. Paralelamente, ressurgem propostas legislativas que visam regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, mas até hoje não implementado. Essa conjunção entre racionalização fiscal e busca por progressividade intensifica o debate sobre a capacidade do Estado de compatibilizar eficiência arrecadatória com justiça fiscal.
Estruturação do novo modelo de tributação sobre o consumo
O núcleo da reforma tributária incide sobre a substituição de cinco tributos – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins – por dois novos instrumentos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios. Ambos seguem o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de base ampla, incidência não cumulativa e com direito a crédito financeiro.
A transição, delineada entre 2026 e 2033, contempla um sistema de compensações federativas e mecanismos de adaptação gradual. O Imposto Seletivo, com função extrafiscal, será destinado à tributação de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Complementarmente, o sistema de cashback fiscal buscará mitigar o impacto da regressividade mediante devolução parcial dos tributos às famílias de baixa renda.
Ainda que o modelo represente avanço técnico em termos de neutralidade e transparência, permanece a crítica quanto à elevada dependência da tributação sobre o consumo, que responde por cerca de 45% da arrecadação total, mantendo um viés regressivo.
Tributação de grandes fortunas: regulamentação e desafios
Em paralelo à reforma do consumo, o Projeto de Lei Complementar nº 1.087/2025 propõe a efetivação do IGF, com alíquotas progressivas aplicáveis sobre patrimônios líquidos superiores a R$ 50 milhões. A estimativa de arrecadação gira em torno de R$ 40 bilhões anuais, com destinação prioritária a programas de combate à desigualdade socioeconômica.
Contudo, a operacionalização do tributo impõe relevantes desafios técnicos e institucionais:
- Erosão da base tributária, com possibilidade de deslocamento de capitais para jurisdições de baixa tributação;
- Complexidade na mensuração do patrimônio líquido, especialmente em estruturas com ativos ilíquidos e holdings patrimoniais;
- Alto custo fiscal e político de conformidade e fiscalização, com possível baixa eficácia arrecadatória;
- Impacto potencial na competitividade econômica e no ambiente de negócios.
Internacionalmente, países como Noruega, Espanha e Argentina já adotam mecanismos similares, ainda que com variações estruturais. A discussão também integra a agenda de organismos multilaterais, como o G20 e a OCDE, que buscam fomentar uma tributação internacional mais equitativa, especialmente sobre grandes fortunas e multinacionais.
Justiça fiscal: progressividade, redistribuição e equidade
A estrutura atual da carga tributária brasileira apresenta elevada concentração sobre o consumo, em detrimento de tributos sobre renda e patrimônio. Esse desequilíbrio compromete o caráter redistributivo do sistema tributário, perpetuando desigualdades estruturais.
A efetividade do novo modelo tributário dependerá de reformas adicionais que incidam sobre:
- A tributação de lucros e dividendos, atualmente isentos;
- A ampliação da progressividade na tributação da renda;
- A modernização do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação);
- O combate à evasão e elisão por meio de estruturas offshore;
- A padronização dos critérios de transparência fiscal entre entes federativos.
A justiça fiscal, portanto, exige coerência sistêmica, articulação federativa e instrumentos de mensuração e controle que considerem tanto os efeitos distributivos quanto a sustentabilidade fiscal do Estado.
Conclusão: eficiência e justiça como pilares convergentes
A reforma tributária representa um marco institucional relevante ao promover a racionalização do sistema, redução do custo de conformidade e melhoria do ambiente de negócios. Entretanto, para que a estrutura tributária brasileira seja também mais justa, torna-se imprescindível a incorporação de medidas que ampliem a progressividade e distribuam melhor a carga tributária.
A regulamentação do IGF, embora cercada de controvérsias, insere-se nesse esforço de redistribuição fiscal, alinhando-se a diretrizes constitucionais e internacionais voltadas à justiça social. O êxito dessa agenda dependerá da articulação entre os Poderes, da qualidade técnica dos projetos e da capacidade institucional do Estado em assegurar a efetividade das normas.
O Brasil encontra-se diante de uma janela de oportunidade histórica para redefinir os fundamentos do seu sistema tributário. A escolha entre a manutenção do status que ou a construção de um modelo mais equânime caberá aos agentes políticos, à sociedade civil organizada e às instituições fiscais, com base em evidências, diálogo democrático e compromisso com o interesse público.
Isaac Clemente Coelho é especialista em economia e contabilidade, com formação em Economia, Contabilidade e Finanças. Atualmente, atuo como Perito Judicial na Justiça Federal do Paraná, Diretor Empresarial e mestrando em Administração pela UFPR, com ênfase em Gestão de Organizações, Liderança e Decisão.
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