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Reforma Tributária: cadê o manual de instruções de quem vai arrumar o vazamento?

Por Luciana Santos

Presumo que muitos aqui já reformaram uma casa ou um apartamento com o sonho de ter lares planejados e estruturados, atendendo às necessidades atuais da família e trazendo todas as tendências, como ambientes integrados, jardinagem, iluminação natural e novas tecnologias. Já tendo feito uma reforma ou não, não resta dúvida de que esse processo requer planejamento e muito dinheiro.

Ao iniciar a reforma, encontraremos inconvenientes e obstáculos que precisam ser superados. Agora, imagine que, ao começar sua obra, você afeta diretamente seus vizinhos. Todos eles, sem exceção, precisam fazer ajustes em suas residências em decorrência da sua obra. Não é incomum, durante a execução, ocorrer um vazamento no encanamento do andar de baixo ou uma rachadura na parede do vizinho. Mas imagine que sua obra obrigue todos ao seu redor a realizarem reformas completas, seguindo as mesmas tendências que você planejou, utilizando recursos financeiros próprios, já que, em nenhum momento, o dono da reforma original se propôs a custear a obra do vizinho.

Seus vizinhos precisam lidar com as intempéries no meio do caminho, sem informações precisas sobre os próximos passos da sua obra. Todos se perguntam como mitigar os riscos e fazer ajustes estruturais em suas residências, de forma que sua obra não interrompa as atividades de suas casas nem afete os moradores – tudo isso sem ter muita clareza do que virá a seguir.

O cenário acima pode parecer utópico, mas é a realidade que estamos vivendo com a Reforma Tributária Brasileira. Hoje, como gestora de portfólio de soluções fiscais de um ERP, assumo o papel do vizinho dessa obra e coloco os clientes do sistema como moradores ao redor. O que parecia uma metáfora distante é, na verdade, a minha realidade.

Para trazer um mínimo de ordem ao caos de informações oficiais e oficiosas que recebemos de todos os canais possíveis, ordenei a jornada da reforma em pilares: cálculos de tributos e documentos fiscais eletrônicos, que são os pontos que estamos trabalhando neste momento. Além disso, me preparo para os pilares que devem vir a seguir, como a jornada de adequação à apuração pré-assistida ou um modelo de obrigação acessória que pode surgir no futuro.

O primeiro pilar dessa obra, apelidado carinhosamente de “cálculos”, é um novo modelo de tributação que traz regras inéditas para IS, CBS e IBS, sendo que este último atenderá regulamentações de 27 unidades federativas e 5.572 municípios (segundo a lista XSL que acabei de baixar do site do IBGE). As disposições da LC 214/2025 deixam claro que há muito trabalho a ser feito para atender ao modelo de cálculo instituído pela Reforma Tributária Brasileira. No entanto, há tantos pontos a serem esclarecidos e tão pouco tempo para viabilizar esse processo e, diariamente, me deparo com inúmeras questões na simulação de cálculos dentro do sistema. Sendo bem honesta, um volume significativo de perguntas ainda fica sem resposta.

Sei que o tributo será cobrado no destino e entendo a justiça desse modelo quando falamos de tributação sobre o consumo. Mas como isso será operacionalizado? Como os sistemas que suportam milhões ou bilhões de documentos fiscais eletrônicos (DFes) mensalmente entregarão aos seus clientes um processo eficiente para inclusão de todas as alíquotas de IBS? Como conferir quem criou uma alíquota específica ou quem utilizará a alíquota de referência? Como saber quais operações manterão o cálculo do IPI nesse novo formato? O formato da tabela NCM vai mudar?

Para o Imposto Seletivo, o volume de perguntas não é diferente. A vigência a partir de 2027 está clara. Mas, além dessa definição macro, temos apenas a promessa de que as alíquotas e os detalhes de regulamentação serão divulgados em breve, por meio de leis complementares futuras.

Quanto ao modelo de apuração, nem sei por onde começar. Sendo ele pré-assistido e tratado diretamente na plataforma de gestão do fisco, como se dará a integração com os softwares que auxiliam as empresas na execução de suas atividades diárias? Na minha opinião, não resta dúvida de que isso precisa ser feito com máxima urgência. Caso contrário, não haverá como garantir que processos com conciliação bancária, declarações contábeis, gestão de custos de estoque, controle de recebíveis e tantos outros pontos essenciais para a operação das empresas permaneçam viáveis.

O que precisa ficar claro é que essas e outras questões precisam ser operacionalizadas – a lei não pode ficar apenas no papel. Softwares que atendem empresas contribuintes, que emitem milhões de documentos fiscais por mês nos mais diversos segmentos de mercado, precisam suportar toda essa operação. E não é possível fazer isso sem informação. O cronograma divulgado para essa obra indica que a conclusão acontecerá em janeiro de 2026. Mas não podemos ignorar que os pilares estruturais de quem tem que operacionalizar esse processo precisam estar prontos para testes em julho de 2025 e para produção em outubro de 2025, quando entra em vigor o ambiente de emissão dos documentos fiscais eletrônicos.

Compreendo que, para boa parte das nossas dúvidas, ainda não há respostas. Afinal, as leis ordinárias ainda estão em discussão, o comitê gestor do IBS ainda não foi composto e o modelo de operação assistida está em construção. Mas, sendo bem honesta, para que essa reforma tenha chance de dar certo, empresas e sociedade precisam ser mais envolvidas. No final das contas, são essas figuras da sociedade que irão operacionalizar todo o processo.

A reforma no fisco causou vazamentos no apartamento vizinho, e precisamos de um manual de instruções mais preciso para consertar tudo dentro do cronograma.


Luciana Santos é Gerente de Portifólio dos produtos Fiscais do TOTVS Backoffice – Linha Protheus.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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