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Quem sai ganhando com a Reforma do Imposto de Renda?

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, explicou que a Medida Provisória reforça a gratuidade do uso do Pix e todas as cláusulas de sigilo bancário em torno do método – Foto: João Risi/PR

Por Diogo Thaler do Valle

A pergunta pode soar simples, quase objetiva. Mas basta um olhar um pouco mais atento para perceber que a resposta, como quase tudo em se tratando de tributos no Brasil, é bem mais complexa do que parece. Afinal, quando falamos em reforma do Imposto de Renda, estamos entrando num terreno onde narrativa e estratégia caminham lado a lado, e onde o discurso sobre justiça fiscal muitas vezes carrega intenções bem diferentes daquelas anunciadas publicamente.

Em um primeiro momento, é fácil comprar a ideia de que essa reforma vem para corrigir distorções. Pois nosso sistema atual é, sim, desigual em muitos aspectos. A tabela do IRPF está defasada há anos, penalizando trabalhadores assalariados que viram seu poder de compra ser corroído pela inflação sem a devida atualização das faixas. Por outro lado, determinadas estruturas de rendimentos de capital seguem sendo tributadas de forma bastante branda ou, em alguns casos, sequer são alcançadas pela tributação. Logo, sim, há espaço (e necessidade) de mudar. Mas a questão central é: como essa mudança está sendo desenhada? Quem de fato ganhará com ela? E quem ficará, mais uma vez, no meio do caminho?

Para começar, é importante lembrar que o Imposto de Renda não é apenas uma ferramenta de arrecadação. Ele também é um poderoso instrumento de organização social. A forma como se tributa o rendimento de uma população influencia comportamentos, molda escolhas de investimento e impacta diretamente a forma como a riqueza circula dentro da economia. Por isso, toda e qualquer alteração nesse imposto precisa ser feita com uma dose elevada de responsabilidade e visão de longo prazo. O problema é que, muitas vezes, o debate se reduz àquilo que cabe em uma manchete. Se fala, por exemplo, da isenção para quem ganha até R$ 5 mil mensais como um grande marco. E de fato, é um alívio para uma parcela significativa da população. No entanto, o que não se diz com a mesma ênfase é o impacto disso na base de arrecadação federal, que já vem enfrentando desafios para manter o equilíbrio fiscal. Não é preciso muito para entender que, se a receita cai de um lado, ela precisará subir de outro. Mas… de onde virá esse reforço? De outros trabalhadores, empresários. 

É neste ponto que começamos a ver as camadas escondidas da proposta. Uma delas é a previsão de tributação de dividendos. Tema sensível, sem dúvida. Afinal, há quem diga que tributar dividendos seria corrigir uma distorção antiga. Outros, que isso afetaria negativamente os investimentos e penalizaria pequenas empresas, muitas das quais utilizam a distribuição de lucros como parte da sustentação financeira de seus sócios. Como quase tudo em tributação, a verdade está no meio. Tributar dividendos, por si só, não é nem bom nem ruim. Depende de como se faz. Depende da alíquota, da faixa de isenção, da forma de aplicação e da integração com o IRPJ e a CSLL. E se mal calibrada, a medida pode afastar capital produtivo, incentivar planejamentos agressivos e, no fim das contas, gerar menos arrecadação do que se espera.

Mas a discussão não para por aí. Outro ponto que precisa ser olhado com lupa é a revisão das deduções permitidas no IRPF. Reduzir a possibilidade de deduzir despesas com educação ou saúde, por exemplo, pode parecer uma medida técnica, mas tem um forte impacto emocional e prático na vida de milhões de brasileiros. Estamos falando de gastos essenciais, muitas vezes assumidos por falta de um serviço público de qualidade equivalente. Além disso, a relação entre a reforma do IR e o conceito de progressividade tributária merece atenção. Muito se fala sobre cobrar mais de quem ganha mais. Mas será que, na prática, isso é sempre o caminho mais justo ou eficiente? É comum vermos propostas que exageram na progressividade, como se ela fosse a única via possível para corrigir desigualdades. No entanto, é preciso cautela. Um sistema excessivamente progressivo pode desestimular o esforço produtivo, criar distorções entre diferentes formas de renda e, eventualmente, levar à perda de competitividade.

Justiça fiscal não deve ser confundida com uma simples escalada de alíquotas. É preciso equilíbrio, simetria e, sobretudo, coerência com a realidade econômica do país. Tributar mais não significa, necessariamente, tributar melhor. E aumentar o peso sobre determinados grupos sem considerar os efeitos colaterais pode, na prática, gerar efeitos contrários ao pretendido.

Uma reforma verdadeira precisaria enfrentar as desigualdades com inteligência. Isso significa, entre outras coisas, revisar benefícios excessivos, combater brechas ineficientes e promover maior transparência no sistema. Mas tudo isso sem demonizar o sucesso, o investimento ou o empreendedorismo. Portanto, responder quem ganha com a reforma do IR é, em certa medida, responder quem está disposto a abrir mão de certos confortos em nome de um sistema mais justo. E também quem, silenciosamente, continuará se beneficiando das brechas, exceções e zonas de conforto que o sistema ainda oferece.

No fim do dia, a pergunta certa talvez não seja apenas quem ganha com a reforma. Mas quem deveria ganhar. E, sobretudo, quem está prestando atenção suficiente para entender o que está sendo colocado em jogo.


Diogo Thaler do Valle é advogado, contador e especialista em tributos e estratégia empresarial. Com uma trajetória consolidada e quase duas décadas atuando em grandes corporações é fundador do Power Tax Brasil e atualmente ocupa o cargo de Diretor Tributário da Philip Morris Brasil, liderando iniciativas fiscais e tributárias locais e internacionais. Possui passagem por empresas de consultoria e auditoria, Ernst & Young, onde acumulou vasta experiência na área fiscal, assessorando companhias de diferentes segmentos em desafios tributários complexos.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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