O acesso à prevenção não deve ser onerado, mas sim incentivado por meio de políticas públicas, escreve Jade Cury Martins

Por Jade Cury Martins
A decisão da Câmara dos Deputados de manter o protetor solar fora da lista de produtos com imposto reduzido coloca em risco a saúde de milhões de brasileiros e representa um retrocesso na luta contra o câncer de pele no país, pauta defendida há anos pela SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia). A medida, que impacta diretamente no preço final do produto, ignora a realidade social e as particularidades climáticas do Brasil, tornando um item essencial para a saúde pública um luxo inacessível para muitos.
A posição geográfica privilegiada do Brasil, contudo, vem acompanhada de um desafio: a alta incidência de raios UV (ultravioleta). Essa exposição coloca o câncer de pele não melanoma como o tipo de câncer mais frequente no país, representando 31,3% de todos os diagnósticos. Diante dessa realidade, a prevenção se torna um compromisso social inadiável e não apenas uma questão de saúde individual.
Visto que o principal fator de risco prevenível ao câncer de pele é a fotoproteção, ignorar essa necessidade de prevenção tem um custo alto, e a exclusão do protetor solar da lista de produtos com imposto reduzido só agrava a situação. O Brasil registra cerca de 185 mil novos casos de câncer de pele (melanoma e não melanoma) por ano². Somente nos primeiros quatro meses de 2024, o SUS (Sistema Único de Saúde) gastou cerca de R$ 63,2 milhões em procedimentos relacionados à doença. As projeções do Inca (Instituto Nacional do Câncer) são ainda mais preocupantes: um gasto de R$ 7,84 bilhões em 2040 apenas com pacientes oncológicos.
É preciso destacar que o preço do protetor solar, comprovadamente eficaz na redução do risco de melanoma em 50%, já é apontado como um dos principais obstáculos para a sua utilização regular, especialmente entre as classes sociais mais baixas. Com o aumento da carga tributária, o acesso a este importante item de prevenção será ainda mais restrito, impactando diretamente a parcela da população mais vulnerável a este tipo de câncer, como comprovam os dados que correlacionam baixa renda a maiores índices de mortalidade por câncer de pele.
A medida também desconsidera a realidade de milhões de trabalhadores brasileiros. Profissionais da agricultura, construção civil e serviços ambulantes, em sua maioria, estão diariamente expostos aos riscos da radiação solar. Ao encarecer o protetor solar, colocamos em risco a saúde destes trabalhadores, o que impacta a qualidade de vida, a produtividade e a economia do país. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que uma em cada três mortes por câncer de pele não melanoma está relacionada à exposição solar no trabalho, um dado que evidencia a urgência da questão.
Devemos lembrar ainda da situação de grupos ainda mais vulneráveis, como pessoas com albinismo e doenças autoimunes, como o lúpus, por exemplo. Para estes brasileiros, o protetor solar não é um mero cosmético, mas um item essencial para a saúde e bem-estar, cuja falta pode agravar suas doenças e comprometer significativamente a qualidade de vida.
Aumentar a carga tributária sobre o protetor solar é desconsiderar a realidade social e econômica do país, coloca em risco a saúde da população brasileira e sobrecarrega o sistema público de saúde. O acesso à prevenção não deve ser onerado, mas sim incentivado por meio de políticas públicas que facilitem o acesso ao produto e conscientizem a população sobre a importância de seu uso diário.
Jade Cury Martins é dermatologista no Hospital das Clínicas da FMUSP e no Icespp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo)
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