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Como ficam os contratos administrativos com a reforma tributária

Human hand working with laptop networking technology. Reprodução: Freepik.

Por Paola Martinelli Szanto

A recente aprovação da Reforma Tributária trouxe mudanças significativas na estrutura fiscal do Brasil e os contornos de seus impactos ainda são desconhecidos, em toda a sua amplitude.

No que se refere especificamente aos contratos administrativos – que sofrerão consequências também ainda não inteiramente dimensionadas -, o novo regime dedicou um capítulo específico ao reequilíbrio econômico-financeiro, como reflexo da preocupação do legislador quanto às implicações que as alterações tributárias causarão na equação financeira das contratações públicas.

Considerando que a tributação afeta diretamente os custos das empresas contratadas, é essencial que haja um mecanismo rápido e eficaz para promover os ajustes contratuais, não havendo dúvidas de que o cenário ideal, para contratante e contratado, é evitar o desequilíbrio da equação econômico-financeira e não buscar a sua recomposição, posteriormente. 

Em tese, nem sequer deveria haver discussão quanto ao efetivo desequilíbrio da equação econômico-financeira, em razão da alteração da carga tributária suportada pelos contratados, por conta da implementação da reforma tributária e, mais do que isso, quanto ao direito a sua recomposição. 

A legislação que rege os contratos administrativos já não deixava dúvidas quanto ao direito ao reequilíbrio em razão de modificações tributárias que afetam a equação econômico-financeira originalmente estabelecida.

Mas a Lei Complementar 214/2025 não apenas repete essa regra legal, reproduzida na absoluta maioria dos contratos. O seu artigo 374 enfrenta o tema e estabelece que os contratos vigentes na sua entrada em vigor “serão ajustados para assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro em razão da alteração da carga tributária efetiva suportada pela contratada em decorrência do impacto da instituição do IBS e da CBS, nos casos em que o desequilíbrio for comprovado”.

A Lei Complementar ainda vai além. Diz que esse conceito se estende mesmo a contratos que tenham estabelecido o contrário, ou seja, que tenham alocado o risco de modificações tributárias à parte contratada, tamanha a reestruturação fiscal promovida. 

Para aqueles que lidam com a formação e execução de contratos públicos, a regra é tão óbvia, que nem precisaria ser reiterada. 

Mas a verdade é que, na prática, mesmo esse, que é o mais clássico dos casos de direito a reequilíbrio, sofre resistência da Administração Pública em ser assumido, levando, não raras vezes, o tema ao Judiciário, onde o reconhecimento concreto do direito dos contratados ao reequilíbrio é sempre desafiador, para que se diga o mínimo.

Mais do que isso, as projeções e exercícios que já vêm sendo feitos apontam para uma expectativa de mudanças muito mais profundas na atividade econômica e no próprio comportamento dos usuários do serviço público (com possível impacto nas demandas) e na estruturação das empresas, impulsionadas que serão a tomar decisões estratégicas – como a localização de seus centros de distribuição – em função da melhor logística e não mais de incentivos fiscais até então usufruídos.

É possível prever que os impactos da reforma irão muito além da alteração da carga tributária (termo utilizado no artigo 374, da Lei Complementar 214/2025, que trata do direito ao reequilíbrio), e poderá se estender a impactos indiretos em razão de alteração de custos de insumos da cadeia de produtos e serviços, custos de implantação de sistemas para adaptação à nova realidade fiscal, além da própria gestão do Plano de Negócios em razão de modificação do comportamento do mercado e impactos mais profundos no fluxo de caixa do projeto, com redução do capital de giro. 

Esses e outros diversos temas relacionados com impactos indiretos causados pela reforma tributária certamente enfrentarão larga discussão e terão soluções diversas, seja em razão da matriz de risco de cada contrato, dos produtos ou serviços que caracterizam seu objeto e, especialmente, da visão do Poder Público contratante e dos mecanismos que serão criados por cada Agência Reguladora, cada Poder Concedente, cada Município, e por aí vai.

Por isso, não seria exagero recomendar que as empresas que têm contratos públicos em andamento, sejam eles do curto ou de longo prazo, comecem a se preparar, desde logo, e iniciem as discussões para avaliação dos impactos tributários nos contratos administrativos, antes mesmo do período de transição que se inicia no exercício de 2026.

Ainda que a lei complementar da Reforma Tributária não tenha sido regulamentada e as alíquotas definitivas não estejam fixadas, é fundamental que os órgãos públicos e os contratados comecem a avaliar os impactos possíveis nos contratos vigentes e criem mecanismos eficientes para ao menos reduzir o futuro desequilíbrio, o que permitirá um melhor planejamento orçamentário, maior eficiência na gestão financeira dos contratos, mitigará as incertezas do mercado e evitará litígios administrativos ou judiciais.

Acrescente-se que a Lei Complementar 214/2025, em seu artigo 376, § 4º, também previu solução para a impossibilidade de se prever a dimensão dos impactos direitos e indiretos que serão causados: a aplicação do reequilíbrio de forma provisória. Esse dispositivo possibilita ajustes temporários até que haja definição final das alíquotas e demais regras tributárias, permitindo, portanto, que seja evitado o desequilíbrio em razão de fatores já conhecidos, quantificáveis e incontroversos, sem que se fechem as portas para nova e mais detida discussão quanto a impactos ainda não reequilibrados.

A possibilidade de ajustes provisórios, prevista na legislação, é uma ferramenta valiosa para minimizar distorções no curto prazo e permitir um reequilíbrio mais efetivo, com o avanço da fase de transição.

Diante desse cenário, é fundamental que empresas e órgãos públicos iniciem o debate com avaliação dos impactos da Reforma Tributária sobre os contratos administrativos. A previsão legal do direito ao reequilíbrio econômico-financeiro, ainda que reafirmada pela nova legislação, não elimina os desafios práticos da sua implementação, especialmente diante da resistência histórica da Administração Pública em reconhecer o direito ao reequilíbrio e da morosidade para definição e implementação das medidas cabíveis.


Paola Martinelli Szanto Mendes dos Santos é sócia do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, atuação em Administrativo e Infraestrutura. Graduada pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Cursou especialização em Direito Administrativo também na PUC/SP.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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