Ir para o conteúdo

O impacto do custo de produção rural rudimentar “in natura” com a reforma tributária do consumo

Reprodução: Freepik.

Por Rafael Garabed Moumdjian

A produção rural envolve diversas etapas e procedimentos que tem por questões regulatórias a garantir a qualidade do material que está sendo produzido e comercializado em todos território nacional e com aprovação e certificação dos órgãos responsáveis para a liberação do livre comércio. 

Em referência ao ponto de vista tributário, o setor agrícola produz insumos na cadeia de produção, não apenas do agronegócio, mas da indústria como um todo e, por questões econômicas e prioritárias, o tratamento tributário é favorecido e diferenciado a ponto de neutralizar efeitos econômicos no consumidor final.

Com relação ao ICMS, em sua grande maioria, temos a isenção ou redução de base de cálculo nas operações interestaduais conforme Convênio ICMS nº 100/97 e, com grande risco de não ter sua renovação publicada a partir de 01.01.2026, caso o CONFAZ não aprove a matéria até dezembro de 2025.

Além disso, quanto aos tributos federais, temos o Pis e Cofins que são exigidos das pessoas jurídicas classificadas como contribuintes, mas que também goza de beneficio fiscal, neste caso do alíquota zero em sua grande maioria, nos termos da Lei nº 10.925/04 e o IPI a legislação deixa claro que, além de ser contribuinte de fato ou equiparado e o complexo processo produtivo no setor agrícola, o Decreto nº 7.212/10 deixa expresso, na combinação entre os artigos 4º, 5º, 8º e 9º quais são os critérios para a incidência do IPI ou não, combinado com a classificação fiscal do produto acabado que, em sua maioria, está classificado como NT (não tributado).

Além disso, temos setores e produtos que gozam do benefício fiscal do Pis e da Cofins, destacando as contribuições em Nota Fiscal Eletrônica, permitindo o adquirente a recuperação do crédito tributário, mas o vendedor poderá excluir a receita bruta de vendas destes produtos da base de cálculo das referidas contribuições. 

Por seu turno, também cabe tecer alguns poucos comentários a respeito das contribuições previdenciárias, buscando exonerar a cadeia produtiva e, em especial, o produto rural pessoa física impedindo aplicar a contribuição previdenciária sobre a regra da receita bruta substitutiva que é o Funrural sobre a receita bruta.

Mas, é importante destacar que, tanto para o produtor rural pessoa física como para a jurídica, poderá haver a facultatividade de optar pela incidência da tributação da contribuição previdenciária sobre a receita bruta substitutiva. 

Longe de tentar explicar e limitar o tema considerando a regra tributária atual com base nas mais diversas legislações, mas cabe, ao menos por enquanto, nos limitar aos principais aspectos tributários voltados a produção agrícola. 

Impactos da tributação no pós-reforma com a Lei Complementar nº 214/25

Com a aprovação da Lei Complementar nº 214/25, significativas alterações no sistema tributário vieram à tona, principalmente com a extinção do ISS, ICMS, PIS, COFINS e alíquota zero do IPI pela CBS e IBS.

Inegável confirmar que na nova legislação a tributação permanecerá favorecida para o setor, porém com uma alta carga tributária será aplica, em média de 11,2% contra 4,8% atuais e, ainda, sem a possibilidade de manutenção ou concessão de novos incentivos fiscais, conforme está na própria Constituição Federal de 1988.

Na Lei Complementar nº 214/25, traz em seu bojo o artigo 138 disciplinando que ficam reduzidas em 60% as alíquotas de IBS e CBS incidentes sobre as operações com insumos agropecuários e aquícolas. Entretanto, diferente a legislação atual onde os benefícios fiscais podem ser aplicados com base na classificação fiscal do material, ou seja, a NCM ou pela destinação do material. Agora a legislação se restringe a respectiva classificação na NCM/SH e da NBS (Nomenclatura Brasileira de Serviços). 

Comento a preocupante restrição, pois ao nos depararmos com o §1º do artigo 138, temos o texto que a redução de alíquotas prevista no caput somente se aplica aos produtos de que trata o Anexo IX, quando exigido, estejam registrados como insumo agropecuário ou aquícola no Ministério da Agricultura e Pecuária. Essa lista está restritiva, incorrendo em riscos de impactos nos preços combinado com alto risco de acúmulo de créditos das empresas que estão no meio da cadeia de produção.

Outro ponto que nos chama a atenção e o autor confirma que ainda não conseguiu avaliar com precisão se realmente é positivo ou não é a aplicação do §2º com o diferimento do IBS e CBS nas operações com insumos agropecuários no fornecimento realizado por contribuinte para outro contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e CBS e ao produtor rural não contribuinte. 

Esses produtores não contribuintes são aqueles cuja receita bruta anual é inferior a R$ 3,6 milhões e que não optaram por aderir ao regime de IBS e CBS. Nesse caso, o diferimento é permitido desde que os insumos adquiridos sejam utilizados na produção de bens que serão vendidos para adquirentes que têm direito a créditos presumidos sobre essas compras, conforme artigo 168 da Lei Complementar nº 214/25.

Eis que está a dúvida na prática sobre a aplicação do §6º onde o recolhimento do IBS e CBS relativos ao diferimento será efetuado pelo contribuinte que promover a operação que encerrar a fase do diferimento, ainda que não tributada. Ou seja, em uma primeira impressão, aparente que o aumento de custo fará parte da cadeia produtiva nas operações com produtores pessoas físicas não contribuintes e, ao mesmo tempo, pressiona que o mesmo produtor rural se torne contribuinte. 

Por fim, não menos importante, cabe destacar de forma discreta as mudanças e impactos que teremos entre o arrendamento rural e a parceria rural que, atualmente, no arrendamento, inexiste qualquer ligação entre o arrendador e a atividade rural. Um é a cessão de sua propriedade a terceiro e o outro, além de sua oneração, envolve as partes na atividade rural exercida, mesmo que um deles arque apenas com o investimento ou prejuízo. 

No caso do contrato de parceria, a base de cálculo para a incidência dos impostos é o lucro registrado de acordo com o regime em que o produtor está vinculado, que é uma tributação muito inferior no caso da parceria rural. Enquanto um produtor pessoa física optar pelo lucro presumido, a base de cálculo será de 20% da receita bruta, representando uma tributação muito inferior ao arrendamento. 

Já para o Pessoa Jurídica, incide imposto de renda com alíquota de 15% sobre o percentual de 8% da receita + Pis de 0,65% + Cofins de 3% + CSLL de 9% sobre o lucro presumido que é equivalente a 12% do faturamento.

Diante da economia tributária resultante do contrato de parceria em relação ao contrato de arrendamento, é comum a prática da realização de um contrato de arrendamento tipificado como contrato de parceria, buscando, assim, configurar a parceria rural para diminuir a carga tributária.

Longe de querer esgotar o tema, mas o impacto em custo e forma indireta em pressionar o produtor rural pessoa física a se tornar contribuinte do IBS e CBS é latente, pois mesmo com a redução de 60% na alíquota referência, além do diferimento, como forma de respeitar e manter o regime diferenciado para o favorecimento do agronegócio, mesmo assim, é inevitável o aumento de custo. O que se espera é que com a redução significativa do resíduo tributário nas cadeias anteriores dos produtos chegarem ao consumidor final é que mantenham os preços sem grandes variações ou até mesmo com reduções.

Ponderações finais

É possível afirmar que a produção agropecuária, como um todo, recebeu e tem recebido tratamento diferenciado e favorecido com a aplicação do novo sistema tributária brasileiro, nos mesmos moldes e condições que outros países e, em especial, aqueles que fazem parte da OCDE.

Em contrapartida, é inevitável confirmarmos que o impacto de caixa e um aumento de custo, mesmo que seja indireto ocorrerá. Seja pela dolarização das operações agrícolas, seja pelo aumento expressivo da carga tributária efetiva sobre os insumos agropecuários ou pelo impacto de caixa das contribuintes que estão no meio da cadeia entre o produtor rural e o consumidor final.

Referência Bibliográfica

  1. Convênio ICMS nº 100/97: Cláusula primeira Fica reduzida em 60% (sessenta por cento) a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos seguintes produtos: I – inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, germicidas, acaricidas, nematicidas, raticidas, desfolhantes, dessecantes, espalhantes, adesivos, estimuladores e inibidores de crescimento (reguladores), vacinas, soros e medicamentos, produzidos para uso na agricultura e na pecuária, inclusive inoculantes, vedada a sua aplicação quando dada ao produto destinação diversa; III – rações para animais, concentrados, suplementos, aditivos, premix ou núcleo, fabricados pelas respectivas indústrias, devidamente registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, V – semente genética, semente básica, semente certificada de primeira geração – C1, semente certificada de segunda geração – C2, semente não certificada de primeira geração – S1 e semente não certificada de segunda geração – S2, destinadas à semeadura, desde que produzidas sob controle de entidades certificadoras ou fiscalizadoras, bem como as importadas, atendidas as disposições da Lei nº 10.711, de 05 de agosto de 2003, regulamentada pelo Decreto nº 5.153, de 23 de julho de 2004, e as exigências estabelecidas pelos órgãos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou por outros órgãos e entidades da Administração Federal, dos Estados e do Distrito Federal, que mantiverem convênio com aquele Ministério.
  2. Art. 4 o Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo… Art. 8 o Estabelecimento industrial é o que executa qualquer das operações referidas no art. 4 o , de que resulte produto tributado, ainda que de alíquota zero ou isento… Art. 9 o Equiparam-se a estabelecimento industrial: I – os estabelecimentos importadores de produtos de procedência estrangeira, que derem saída a esses produtos; II – os estabelecimentos, ainda que varejistas, que receberem, para comercialização, diretamente da repartição que os liberou, produtos importados por outro estabelecimento da mesma firma.
  3. Artigo 25º, §12º, Lei nº 8.212/96 Não integra a base de cálculo da contribuição de que trata o caput deste artigo a produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem o produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaia para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo próprio produtor e por quem a utilize diretamente com essas finalidades e, no caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que se dedique ao comércio de sementes e mudas no País.
    Artigo 9º, §1º, dos Atos Disposições Constitucionais Tributárias (implementada pela Emenda Constitucional 132/23), prevendo um regime diferenciado com a redução de 60% da alíquota geral do IBS e CBS para insumos agropecuários.

Convênio ICMS nº 100/97

Lei nº 10.637/03 e Lei nº 10.833/03

Lei Complementação nº 214/25

Lei nº 8.212/96 

Lei nº 8.870/94

Lei nº 10.711/03

Lei nº 11.787/08


Rafael Garabed Moumdjian é Graduado em Direito e Ciências Contábeis, Pós-graduado em Direito Público e licenciatura em docência superior pela USP. Mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Paulo e certificado SAP no Módulo MM. Atuou como professor do Instituto Nacional de Estudos em Saúde (pós-graduação em Direito Público) e como professor titular de Direito Tributário Universidade Anhanguera. Atualmente é professor no MBA de Auditoria Digital e Direito Tributário e MBA Executivo em Negócios, Controladoria e Finanças e Coordenador do MBA em Gestão e Tributação no Agronegócio pelo Centro Educacional BSSP. Professor convidado da FGV no Curso de MBA em Direito Tributário e Empresarial, com diversos artigos publicados por renomadas universidades do Brasil. No âmbito empresarial, tem grande vivência na prática da Área tributária a mais de 23 anos e atualmente está́ como Head de Impostos Indiretos, Previdenciário e LTO do Syngenta Group.


Os artigos escritos pelos colunistas não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

Rolar para cima