
Por Vitor Canivello
A cada rodada de discussão sobre a reforma tributária, surgem promessas de simplificação, transparência e justiça fiscal. Mas por trás do discurso técnico, há uma pergunta que ainda ecoa entre os profissionais da área: o que será feito com os créditos acumulados de ICMS e PIS/COFINS que tantas empresas carregam há anos? Esse é um problema antigo, que compromete o fluxo de caixa, a competitividade e, em muitos casos, o próprio futuro das organizações. A reforma vem com uma nova roupagem, mas será que ela ataca, de fato, a raiz do problema?
Hoje, setores como o industrial e o exportador enfrentam desafios significativos devido ao acumulo de créditos tributários. A não cumulatividade dos impostos gera créditos que, frequentemente, não podem ser utilizados de forma eficiente, resultando em um passivo fiscal que limita investimentos e prejudica a competitividade.
A criação do IBS e da CBS traz a promessa de uma tributação mais justa e eficiente, com não-cumulatividade plena e compensação integral dos créditos. No papel, parece o fim de uma longa novela. Mas como ficam os créditos acumulados no sistema antigo? A resposta está na LC 214/2025.
A Lei Complementar 214/2025 estabeleceu regras específicas para a transição dos créditos acumulados de ICMS, PIS e COFINS. A lógica adotada não foi a da “migração direta” para o novo sistema, mas sim a da criação de regimes paralelos de compensação e restituição, com prazos definidos e controles específicos. No caso do ICMS, os créditos existentes até o fim do regime anterior (dezembro de 2028) não poderão ser utilizados diretamente no IBS. Cada Estado deverá homologar os créditos e criar um regime de compensação ou restituição ao longo de até 15 anos, a partir de 2029. Essa compensação será feita com débitos do IBS estadual, substituindo parcialmente o ICMS, ou por meio de restituições financeiras em cronograma próprio. Ou seja, o contribuinte poderá “usar” os créditos antigos para pagar o novo imposto, desde que o valor seja reconhecido pelo Estado e respeitando os critérios do período de transição.
Para os créditos de PIS/COFINS, a União seguirá uma lógica semelhante. Os créditos acumulados até o fim de 2027 poderão ser compensados com a nova CBS, conforme homologação e cronograma definidos pela Receita Federal, ou ressarcidos, em parcelas, seguindo regulamentação futura.
Embora a proposta traga um avanço ao prometer uma compensação mais ampla e transparente no novo modelo, o caminho até lá será repleto de desafios. A operacionalização da compensação dos créditos antigos dependerá da capacidade de Estados e da União em implantar sistemas eficientes de homologação, controle e restituição. A experiência prática do contribuinte nos próximos anos dependerá menos da letra da lei e mais da agilidade dos entes federativos em garantir segurança jurídica e previsibilidade.
A reforma tributária representa uma grande oportunidade para modernizar o sistema fiscal brasileiro. A LC 214/2025 dá os primeiros passos rumo à resolução de um problema histórico: os créditos acumulados. Mas o sucesso dessa transição dependerá da implementação prática. Sem clareza, agilidade e compromisso com o contribuinte, corremos o risco de empacotar velhos problemas em novos rótulos. O verdadeiro teste da reforma será sua execução — e não a promessa que carrega no papel.
Vitor Canivello é administrador e contador, especialista em Gestão de Pessoas e Direito Tributário. Atualmente, é Senior Tax Supervisor na Deloitte.
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