
Por Regina Krauss
“Estamos felizes com a aprovação da primeira etapa da reforma, mas não podemos esquecer que a estrutura do Comitê Gestor precisa estar pronta para que o modelo funcione de forma coesa e sólida em 2026 “, destaca a procuradora do Estado do Rio Grande do Sul, Melissa Castello, que atuou diretamente no assessoramento técnico da reforma representando as procuradorias dos estados.
Castello falou com exclusividade com o Portal sobre o que esperar dos próximos meses. Após a sanção do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que regulamenta a reforma tributária sobre o consumo, a procuradora acredita que “o trabalho avançou cerca de 70%, mas precisamos manter o foco na estruturação do Comitê Gestor, previsto no Projeto de Lei Complementar 108/2024, que está agora no Senado”, alerta.
O Comitê Gestor será responsável por uma arrecadação tributária correspondente a quase 20% do PIB, envolvendo mais de 5.500 entes federativos. “É uma estrutura gigantesca, sem precedentes no mundo, e precisa ser muito robusta para garantir equilíbrio entre estados e municípios“, afirma.
Comitê Gestor
A especialista lembra que se, inicialmente, a implementação de um comitê era vista como um algoritmo, um sistema de automação de arrecadação e distribuição, com o tempo e com a entrada de todos os players – União, estados, municípios, Receita Federal – ficou evidente a necessidade de prever todas as regulamentações em minúcia no projeto de lei complementar.
O PLP 108/2024 tem 124 páginas e prevê que o Comitê Gestor será formado por: Conselho Superior, Diretoria-Executiva e suas diretorias técnicas, Secretaria-Geral, Assessoria de Relações Institucionais e Interfederativas, Corregedoria e Auditoria Interna. A instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do IBS será composta por 27 membros, representando cada Estado e o Distrito Federal e de outros 27 membros, representando o conjunto dos Municípios e do Distrito Federal.
Para Melissa Castello, o contencioso administrativo do Comitê Gestor ainda pode ser melhorado. “Uma ideia bastante discutida é a de regionalizar o julgamento do contencioso administrativo, como acontece nos tribunais regionais federais, por exemplo. Ao invés de ter uma câmara especializada para cada estado, você otimiza a estrutura, uma vez que o IBS será mais uniforme em todo o país“, explica.
Como procuradora estadual, Castello chama a atenção para a necessidade de resguardar o espaço de auditores fiscais e de procuradores estaduais e municipais dentro do Comitê Gestor. “Como órgão de cobrança tributária, que abrange desde o auto de lançamento até a execução fiscal judicial, estes profissionais precisam estar representados“, defende.
IVA
Desde 2017, em sua pesquisa para o doutorado, Melissa Castello estuda a mudança do modelo tributário para um imposto sobre valor agregado (IVA). Ela conta que, na medida em que o mundo foi migrando para uma economia digital, com novos bens de consumo como streamings e plataformas de aplicativo, ficou mais complexo definir o que seria um tributo sobre bens ou sobre serviços.
“A PEC 132/2023 é a realização de um sonho. Conforme fui pensando e estudando, cada vez mais me pareceu que precisávamos de um tributo sobre bens e serviços uniforme e cobrado no destino”, afirma. No entanto, em razão do modelo federativo brasileiro não foi possível fazer um IVA único. As complexidades brasileiras exigiram a resolução de questões como quem seria responsável pela cobrança dos impostos, quem seriam os procuradores e os auditores responsáveis do processo, como organizar o comitê gestor, entre outras demandas.
Melissa compara em sua tese o modelo tributário brasileiro com o da União Europeia. Ela optou por focar na Europa, em vez de analisar os modelos do Canadá e da Nova Zelândia, porque considera que o Brasil é “muito diferente destes países em termos de tamanho de população, maturidade de negócios e capacidade econômica“. Por outro lado, o modelo de integração do IVA na União Europeia apresenta similaridades com o modelo brasileiro que vai reunir 27 entes federativos. “É interessante perceber que, mesmo em um cenário de desconfiança, que é o da política internacional, eles conseguiram construir em conjunto”.
Segundo ela, o Brasil não copia o modelo europeu, mas o aprimora, e a uniformização de regras no país evitará que estados adotem práticas diferentes, o que já corrige problemas enfrentados na Europa. Por fim, o mecanismo de split payment previsto na reforma vai combater fraudes conhecidas como ‘fraude carrossel’, comuns na Europa.
Quem é Melissa Castello
É presidente da Fesdt (Fundação Escola Superior de Direito Tributário), procuradora do do Rio Grande do Sul e integrante do Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo. Professora da PUC-RS, tem doutorado em Direito pela PUC-RS e mestrado em Direito pela Universidade de Oxford.