
Por Mário Westrup, Leonardo Palhuca e Diego Lucchesi
A Reforma Tributária, que introduz a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), exigirá adaptações na interpretação das Demonstrações Financeiras. A transição entre os sistemas tributários, que se inicia em 2026, afetará rubricas, indicadores e a avaliação dos ativos.
Receitas, custos e despesas
Diferentemente do modelo atual, em que os tributos indiretos são destacados na Demonstração de Resultados (DRE) como deduções da receita bruta, a tributação “por fora” do novo sistema poderá levar a mudanças na apresentação destas deduções, alterando a Demonstração de Resultado do Exercício (DRE).
Em relação a custos e despesas, a nova sistemática de não cumulatividade amplia o aproveitamento de créditos tributários, reduzindo os chamados resíduos tributários gerados pelos tributos cumulativos, que antes se incorporavam aos preços dos insumos adquiridos.
Ativo imobilizado
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis, responsável por emitir normas contábeis no Brasil, define no CPC 27 que o ativo imobilizado é registrado pelo preço de aquisição mais impostos não recuperáveis. Com a Reforma, a possibilidade de recuperar mais tributos pela não cumulatividade ampla pode reduzir o valor registrado do imobilizado e criar distorções na comparação histórica.
Essa alteração no valor registrado não apenas afeta o custo histórico do ativo, mas também pode ter reflexos em diversos indicadores de desempenho, como o retorno sobre os ativos (ROA), calculado a partir da divisão do lucro líquido pelos ativos totais: se o valor do imobilizado cair em função do expurgo de tributos recuperáveis, o denominador será menor, elevando esse indicador.
Da mesma forma, o giro do ativo imobilizado, que relaciona a receita líquida ao valor contábil do ativo, pode aumentar artificialmente caso o imobilizado passe a ser registrado por menor valor. Além disso, índices como o de imobilização do patrimônio líquido, que mede quanto do capital próprio está alocado em ativos imobilizados, também sofrem influência, já que a redução do valor registrado do ativo pode elevar esse indicador.
Ademais, a depreciação será computada sobre uma base menor, afetando o lucro operacional. Métricas de alavancagem e capacidade de endividamento serão igualmente impactadas. Assim, decisões de investimento e financiamento exigem análise criteriosa, considerando o regime tributário aplicado na aquisição de ativos.
Disponibilidades e Fluxo de Caixa
A possível adoção do split payment — que retém tributos diretamente na transação — pode afetar a Demonstração de Fluxo de Caixa (DFC), reduzindo temporariamente o saldo disponível. No modelo atual, os tributos permanecem no caixa da empresa até seu recolhimento. Com o split payment, porém, o valor devido é retido e repassado automaticamente ao fisco, alterando a dinâmica entre ativos e passivos operacionais.
No entanto, a Reforma também traz pontos favoráveis para o capital de giro e para as disponibilidades (caixa e equivalentes). A possibilidade de recuperar créditos sobre insumos anteriormente inexistente pode melhorar o fluxo de caixa ao reduzir a saída líquida de recursos. Além disso, a compensação desses créditos poderá ocorrer já na data da aquisição de bens e serviços, impactando positivamente a gestão financeira das empresas.
É essencial considerar também o efeito da transição dos créditos acumulados entre os dois sistemas – os saldos de PIS e COFINS poderão ser compensados com a nova CBS ou com outros tributos federais em certas situações. Ainda que essa compensação possa aliviar o caixa no médio prazo, muitas vezes os valores são parcelados ou submetidos a condições específicas.
No caso do ICMS, a legislação em discussão (PLP nº 68/2024) prevê a possibilidade de transferência de créditos homologados a terceiros, o que pode antecipar a entrada de recursos, embora com eventuais deságios. Caso não haja compensação ou transferência, há o ressarcimento em prazos que podem chegar a 240 parcelas mensais, alongando significativamente a recuperação desses créditos. Exceções surgem para mercadorias em estoque sujeitas à Substituição Tributária do ICMS, cujo crédito poderá ser aproveitado em doze parcelas mensais para quitação de IBS.
Necessidade de capital de giro
A cobrança dos tributos no destino pode modificar a estrutura da cadeia de suprimentos e exigir ajustes logístico-tributários que elevem temporariamente a Necessidade de Capital de Giro (NCG). Além disso, as mudanças nos prazos de pagamento de fornecedores e clientes, bem como a eliminação de benefícios e incentivos fiscais, podem demandar uma maior reserva de recursos, até que as empresas se adaptem plenamente ao novo cenário.
Em contrapartida, a maior transparência nos fluxos financeiros, proporcionada pela segregação clara dos valores devidos em tributos e pela sistemática de compensação de créditos, tende a facilitar o planejamento e a execução de estratégias de gestão de capital de giro.
Ainda assim, a simultaneidade de impactos positivos e negativos nas disponibilidades de caixa e na NCG exigirá uma revisão das práticas de gestão financeira para que as empresas equilibrem os diversos efeitos da Reforma.
Durante o período de transição, a convivência de regras antigas e novas ampliará a complexidade dos processos de conciliação, aumentando o risco de inconsistências contábeis e fiscais, de modo a demandar um acompanhamento rigoroso por parte dos agentes econômicos para evitar distorções na interpretação das Demonstrações Financeiras.
Mário Westrup é consultor da Tendências Consultoria. Doutor e Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Possui MBAs em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas e em Finanças e Mercado de Capitais pelo Instituto de Finanças de Nova Iorque. Bacharel em Ciências Contábeis pela UNESC e em Relações Internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
Leonardo Palhuca é consultor da Tendências Consultoria. Mestre em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg, na Alemanha, e Bacharel em Administração Pública com trilha em Finanças pela Fundação Getúlio Vargas.
Diego Lucchesi é consultor da Tendências Consultoria. Mestre em Economia pelo Insper e Bacharel em Ciências Econômicas com trilha em Finanças Corporativas pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado.
Os artigos escritos pelos colunistas não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.