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A reforma tributária chegou na sala do Conselho de Administração

Lucilene Prado, advogada especializada em direito tributário – Foto via FM/Derraik Advogados

Por Lucilene Prado

A reforma tributária aprovada no final de 2023 e parcialmente regulamentada em 2024, talvez seja, depois do Plano Real de 1994, a medida reformista de maior impacto na economia brasileira, com enorme potencial de corrigir inúmeros problemas e de eliminar as ineficiências alocativas que estão permeadas em todos os setores e atividades econômicas.

É inegável o potencial transformacional de um bom sistema tributário, especialmente quando os tributos que incidem sobre o consumo são bem desenhados, simples, transparentes e neutros em relação as decisões empresariais. Há inúmeras experiências internacionais que confirmam essa hipótese, a mais recente e relevante ocorrida em 2017 na Índia.

Se considerarmos que o Brasil desde meados da década de 60 implementou tributos de consumo que nunca foram neutros, pois sempre influenciaram na forma de produzir, nos modelos de distribuição e até no formato de ofertar serviços ao consumidor, operar negócios com apenas dois tributos de consumo, com regramentos idênticos, que não influenciarão nas decisões alocativas, vai requerer, antes de tudo, uma mudança de pensamento, um novo olhar para os fundamentos dos negócios, passando por custos, formação de preços e definição das margens.

E essa mudança de pensamento começa naqueles que frequentam a sala do Conselho de Administração, órgão da administração que tem dois grandes objetivos: (i) dar a direção estratégica da companhia e (ii) fiscalizá-la.

A reforma tributária deveria tirar o sono dos conselheiros de administração agora e não em 2027 quando teremos a implementação da primeira etapa da reforma e que alcançará a parcela federal dos novos tributos de consumo, a chamada Contribuição de Bens e Serviços (CBS).

O Conselho de Administração precisa conhecer e compreender quais são os impactos da reforma tributária e como esses impactos afetam os fundamentos do negócio, tais como ROIC, a margem Ebitda, a competitividade, o posicionamento de mercado, bem como se assegurar de que existe um sólido plano de implementação da reforma tributária, que não se restringe a mudanças no ERP ou ao cumprimento de obrigações legais perante as autoridades fiscais.

Decisões sobre lançamento de novos produtos ou serviços, posicionamento de preços no mercado competidor, estratégia de go to market, entrada em novas regiões, investimentos de expansão ou de manutenção, make or buy, dentre outras serão profundamente afetadas pelo longo período de implementação na reforma tributária que durará sete anos, quando inúmeras mudanças podem ocorrer na estratégia das empresas, especialmente nos tempos em que vivemos atropelados diariamente por novas tecnologias, mudanças geopolíticas, alterações no comportamento dos consumidores, e inúmeros outros fatores externos.

A implementação da reforma tributária não é uma agenda somente da área financeira ou da área tributária, mas de todos os gestores que diariamente tomam decisões sobre posicionamento de mercado, preços, custos, investimentos, financiamento, concessão de crédito, caixa mínimo e tantas outras que no final do dia convergem para o principal objetivo de uma empresa: gerar valor.

Infelizmente tenho observado que o tema da reforma tributária com esse olhar sobre riscos e oportunidades que podem interferir na geração de valor de médio e longo prazo, ainda não entrou com disciplina em muitos conselhos de administração ou se entrou, há inúmeros pontos cegos. Se o tema não estiver matriculado na pauta do conselho, corre o risco de se tornar assunto com baixa prioridade, especialmente em um ano com tantos desafios econômicos, como taxa Selic, câmbio, inflação, custo de capital, riscos no atingimento do budget.

Peter Drucker um dos mais influentes pensadores da administração moderna, tem uma excelente frase que pode ser tomada de empréstimo: “A cultura devora a estratégia no café da manhã.”

Nesse tema não há muita diferença, porque assim como a estratégia das empresas decorre de um plano executado no médio e longo prazo, a implementação da reforma também ocorrerá ao longo de sete longos anos, sendo que os gestores precisam entregar resultados no presente, no curtíssimo prazo. Mas tal como na frase de Drucker, um plano de implementação da reforma tributária que não seja acompanhado de perto pelo Conselho de Administração também pode ser devorado logo no café da manhã. E poderá ser um café da manhã amargo e com uma carga tributária um tanto destemperada. depois? Se a sua contabilidade não está te ajudando a responder isso, talvez seja hora de trocar.


Lucilene Prado, advogada especializada em direito tributário, sócia do FM/Derraik Advogados


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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